Ao longo da história, muitos pensadores, incluindo arquitetos e filósofos, vêm tentando responder a esta ampla questão. As respostas são inúmeras e variadas, mas o tema permanece até hoje um atraente campo de estudo. Particularmente em relação ao ambiente construído, o espaço nada mais é do que o campo de batalha para a intervenção do arquiteto, onde o desempenho vale como uma performance – independentemente da natureza e dimensão deste espaço. Assim, estacionamentos também são espaços, e, como tal, requerem atenção e cuidados. Até pouco tempo atrás, eles eram considerados como simples unidades de armazenamento, desinteressantes e anônimas, que, mesmo quando inseridas em um projeto, eram executadas exclusivamente do ponto de vista técnico e administrativo. Mas nós decidimos olhar para esta realidade e alterá-la. Afinal de contas, espaços nascem de uma necessidade funcional e o desenvolvimento estético, por sua vez, nasce quando se começa a gastar bastante tempo nisto.
Assim, a mudança aconteceu e chegou o momento de nós, arquitetos, pararmos de pensar que projetar em escalas e proporções gigantescas é a única maneira de trabalhar. A realidade e a vida cotidiana ao nosso redor devem ser abraçadas ao invés de desprezadas. Muitos dos chamados “não-lugares”, como dizia Marc Augé, tais como corredores, pontes, metrôs, galerias, rampas, estacionamentos, elevadores e banheiros públicos, compõem grande parte da realidade urbana habitada. Um bom arquiteto é aquele que consegue dar forma e moldar qualquer tipo de espaço, independente de suas medidas e dimensões. Em outras palavras, um excelente profissional será aquele capaz de transformar espaços em lugares. Na indústria de estacionamentos, este sempre foi o nosso objetivo, desde o início. Especialmente porque esses locais compreendem rotas inevitáveis – necessárias para entrar e sair: todos os estacionamentos são uma trajetória obrigatória e, consequentemente, se você melhorá-los, você melhora a vida e também o modo de vida.
Mente aberta é outro requisito essencial, pois os espaços estão se transformando cada vez mais em lugares polivalentes onde, junto com sua função principal, muito mais pode ocorrer. Na verdade, estacionamentos são estacionamentos, mas se projetados adequadamente – com funcionalidade e criatividade – também podem acomodar uma variedade de eventos, como festas, concertos e exposições, entre outros – o que também os torna mais rentáveis para o cliente. Por exemplo, Madonna contratou o primeiro estacionamento projetado por nós, para o Hotel Silken Puerta de América, em Madrid – e ao qual devo o apelido de “Madame Parking” – para um evento privado!
Desafio para os arquitetos
Definir os chamados “espaços esquecidos”, e, consequentemente, pensar e projetar estes espaços que são considerados por muitos como sobras urbanas contemporâneas, é tão desafiador quanto humano. Além disso, esses espaços marginais não são tão estranhos como muitas vezes se pensa, mas, muito pelo contrário, são imprudentemente negligenciados e constantemente utilizados. No entanto e devido a isso, uma empatia natural envolve estes espaços que quase nunca foram pensados e observados sob um ponto de vista conceitual. Até hoje, quase ninguém percebeu a influência e as características emocionais desses locais ou ainda as infinitas oportunidades interativas e receptivas que coexistem nesses lugares onde as pessoas passam enormes quantidades de tempo no dia a dia. Portanto, esta é a razão pela qual estes não-lugares devem ser solucionados e transformados em lugares que permitam que os sentimentos sejam evocados e provocados por respostas emocionais de e sobre indivíduos.
Alcançamos o que mencionamos acima usando iluminação artificial, cores e desenhos para criar narrativas que não só melhoram a funcionalidade dos estacionamentos, mas também os tornam um local transitório melhor para seus usuários, como o estacionamento do Hotel Silken Puerta de América. Nele, usamos o aumento da tonalidade da cor, que vai do amarelo ao vermelho, para realçar as rotas de saída. A relação estabelecida entre o uso de cores em gradiente e grandes números indicando as vagas também ajuda a lembrar onde o veículo está estacionado.
A essência do contexto no qual se está projetando também deve ser levada em consideração com muito cuidado e senso de preservação, como fizemos no caso do estacionamento localizado no bairro de Chueca, em Madrid, que é conhecido por sua vida noturna. Esse projeto, na verdade, foi transformado em uma tela preta onde versos do Inferno de Dante foram melodicamente transcritos em suas paredes por brilhantes luzes de néon vermelhas.
Quem foi que disse que um estacionamento não pode ser melhor do que um museu? Arquitetos como Le Corbusier e Jean Prouvé incluíram, naquela época, espaços de estacionamento dentro de seus projetos residenciais e habitacionais. No entanto, até agora, ninguém continuou desenvolvendo este conceito que, consequentemente, ficou paralisado por décadas – apesar destes não-lugares serem apenas outra tipologia espacial. Logo, é possível afirmar que o potencial de um espaço não pode ser medido em metros quadrados, mas deve ser valorizado pelo desafio que representa para o arquiteto, que terá de ser capaz de prever, intuir e projetar todo o potencial emocional que o espaço dado ou escolhido possui.
Artigo de Teresa Sapey publicado na edição 22 da Revista Parking Brasil
*Conhecida como “Madame Parking” pela imprensa europeia e considerada uma das dez designers mais importantes do mundo, Teresa Sapey é uma premiada arquiteta italiana radicada na Espanha há mais de 20 anos e autora de alguns dos mais inovadores projetos de estacionamento existentes hoje no mundo.*