A quarta revolução industrial promete viabilizar a inteligência artificial. O seu grande desafio será evitar a burrice artificial. Evitar a transformação e disseminação de burrices, como a que tem circulado na rede social sobre o fim dos estacionamentos.Usando a lógica: os estacionamentos não serão necessários porque não haverá mais carros; não serão necessários porque as pessoas não precisarão se movimentar; as pessoas não precisarão se movimentar porque estarão mortas. Conclusão: os estacionamentos acabarão com o fim da humanidade. Tudo falso. Tudo besteira. Tudo idiotice.
O carro autônomo emerge como o grande produto da 4ª Revolução Industrial: será um computador sobre rodas, inteiramente digital e incorporando a computação em nuvem e bigdata, a internet das coisas e a inteligência artificial. E poderá ser produzido domesticamente por uma impressora em 3D. As pessoas poderão se movimentar sem se estressar, em congestionamentos, sem riscos de acidentes e utilizar o tempo da viagem para trabalhar, com o seu computador ou smartphone, ler jornais ou livros, ver televisão, conversar despreocupadamente com os demais passageiros e até beber a sua dose, sem o risco de ser multado. Nem precisará tirar carteira de habilitação. Um mundo maravilhoso.
Nem tanto, o carro autônomo continua sendo um veículo terrestre, que requer vias terrestres. Que são limitadas. Supõe-se que levarão à necessidade de frotas menores. Ou seja, haverá menos carros. Mas não nas ruas e avenidas. Nessas haverá mais carros circulando. Com o carro autônomo haverá maior utilização do mesmo carro, rodando mais, movimentando-se mais.
As ruas terão mais carros, os congestionamentos irão aumentar – apesar da inteligência dos carros autônomos -, os tempos de viagem ou percurso vão aumentar. Já a necessidade de vagas para estacionamento vai diminuir. Mas não vão acabar. Será?
Os defensores dos avanços tecnológicos usam muito o exemplo da Kodak, que, de maior empresa de fotografia mundial, perdeu mercado e teve que pedir proteção judicial para não falir. É um fato real, mas uma visão parcial da questão, induzindo a erros de percepção e de interpretação. A substituição da fotografia analógica pela digital ampliou desmesuradamente a atividade de fotografar. Atualmente se fotografa milhares (ou milhões) de vezes mais do que no tempo do domínio da Kodak. Uma das maiores – senão a maior – utilidade de um aparelho celular é ser também um aparelho de fotografar. E a atividade se disseminou mundialmente porque cada foto custa hoje muito menos do que “nos tempos da Kodak”. Pode até não custar, mas as pessoas têm a impressão de que sim.
Há uma visão equivocada de um fenômeno real. As pessoas, principalmente os mais jovens, não querem ser proprietários de carros. Vêm dispensando o desejo de ter o seu carro. Isso não significa que eles abandonem o carro. Eles querem continuar usando, mas com prestação de serviço, por terceiros. Chamando-os por um aplicativo. O usuário não precisa ter um carro. Mas o prestador de serviço sim. Porém, como o carro do prestador irá circular mais, atendendo a mais viagens, um primeiro efeito seria a redução da frota. Usando o mesmo exemplo da Kodak, com a disseminação dos serviços, a redução dos custos, haverá maior utilização e a necessidade de aumentar a frota dos prestadores de serviços. O tamanho da frota irá aumentar e não diminuir. Os aplicativos de chamada estão promovendo a transferência do uso do transporte coletivo para o individual. Ao contrário do desejado pelos “modernizantes”. Em teoria, as inovações tecnológicas deverão promover o aumento da frota de automóveis. Não a sua redução. Como ocorreu com a fotografia.
Com o aumento da frota, será necessário ter mais espaço para estacionar os veículos. Os estacionamentos não vão acabar. Não vão ceder mais espaços para áreas de lazer, equipamentos públicos e outras alternativas. Mas a natureza das vagas para estacionamento vai mudar, afetando diretamente as empresas que as operam, como negócio.
Da mesma forma que no caso da fotografia, o mercado irá aumentar, mas alguns ganharão, outros perderão. As empresas que não perceberem as mudanças, que não se ajustarem irão “quebrar”, amargando, com inveja, a percepção daqueles que “ficarão com os seus negócios”. O exemplo da Kodak mostra que seu erro foi se preocupar com os seus concorrentes, dentro da mesma tecnologia, como a Fujitsu e outras japonesas. Não percebeu que o seu concorrente japonês era a Sony, que não era do ramo. Tampouco que seus maiores concorrentes eram a Apple, Nokia, Motorola e outras produtoras de aparelho celular, dotadas de câmaras fotográficas, com captação de fotos digitais.
As principais ameaças às empresas de estacionamento não estão dentro do próprio setor, mas fora dele. Quais são? Ainda não sabemos, mas precisam ser descobertas antes de o desastre ocorrer.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo Sindepark de São Paulo para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA: os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Sindepark, nem da Abrapark.